A Aneel buscando oferecer previsibilidade ao mercado, e, por consequência, maior segurança jurídico-regulatória, deu início a realizações de reuniões presenciais para a audiência pública que veio discutir e sugerir as novas regras para a micro e minigeração distribuída no país
Antes de olharmos a GD sob o enfoque dos acontecimentos do ano de 2019, vale aqui um pequeno nivelamento para aqueles leitores que não conhecem esse mercado.
Até o ano de 2012, os consumidores recebiam sua eletricidade de uma única distribuidora de energia, a qual detém o monopólio de fornecimento da energia elétrica em regiões pré-determinadas. Justamente diante deste monopólio o consumidor é obrigado a consumir a energia proveniente apenas da Distribuidora da sua região, não por outro motivo são chamados de “consumidores cativos”.
No entanto, a Resolução Normativa 482/2012 da Aneel trouxe uma mudança deste velho paradigma, dando origem assim a revolução em prol da liberdade e do poder de escolha dos consumidores, que passaram a poder gerar sua própria energia, o que muitos hoje denominam de “Prosumidor”.
Após esse breve nivelamento histórico, uma coisa posso afirmar categoricamente, o ano de 2019 foi um ano de grande intensidade para o setor de Geração Destruída, desde o atingimento de patamares recordes de geração até a possibilidade de mudanças regulatórias extremas que podem, inclusive, por em xeque os caminhos deste setor.
2019 começou com a animadora notícia de que o mercado de GD bateu a marca histórica de 500 megawatts (MW) de potência instalada em residências, comércios, indústrias, produtores rurais e prédios públicos.
Este crescimento noticiado à época era impulsionado por três fatores primordiais: (i) a forte redução no preço da energia solar fotovoltaica; (ii) o aumento nas tarifas de energia elétrica que pressionou o orçamento de famílias e empresas; e (iii) o aumento no protagonismo e na responsabilidade socioambiental dos consumidores.
Na esteira do atingimento da citada marca histórica, a Aneel buscando oferecer previsibilidade ao mercado, e, por consequência, maior segurança jurídico-regulatória, deu início a realizações de reuniões presenciais para a audiência pública que veio discutir e sugerir as novas regras para a micro e minigeração distribuída no país.
Assim, a ANEEL instaurou a Audiência Pública nº 001/2019, a qual, na sua primeira fase, visava obter subsídios para a Análise de Impacto Regulatório – AIR acerca das possíveis alterações da Resolução Normativa nº 482/2012, previstas para ocorrer em 2020.
O principal foco da ANEEL naquele momento foi o “Sistema de Compensação de Energia Elétrica” e a forma de valoração da energia que é injetada na rede (conforme “Alternativas” constantes no quadro abaixo).
E foi justamente este ponto que colocou de um lado as Concessionárias de Distribuição, e de outro lado, os investidores e consumidores interessados em GD.
E foi neste momento que o que chamo de a “guerra fria” da GD, começou!
A abertura da Audiência Pública com a apresentação das possíveis novas regras trouxe um grande burburinho e alguma insegurança ao mercado de GD. Por isso mesmo a Aneel logo veio a público reafirmar o compromisso de manter direitos adquiridos na atualização das regras de geração distribuída.
Em junho, em meio à “quebra de braços” e à guerra de informações, o Brasil ultrapassou a marca de 1 gigawatt de potência instalada em micro e minigeração distribuída de energia elétrica. Com aquela marca o Brasil se tornou naquele momento a segunda nação a superar 1 GW de capacidade instalada de painéis solares na América Latina e Caribe. O que se tratou de um grande avanço, proporcionado em grande medida pela regulação da ANEEL, pela redução de custo da tecnologia e do benefício econômico percebido pelos consumidores ao utilizar esse tipo de tecnologia frente à tarifa de energia cobrada pelas distribuidoras.
Mesmo diante de toda insegurança causada pela abertura da Audiência Pública, as notícias no meio de 2019 davam conta de que os investimentos acumulados em projetos de geração distribuída já somariam mais de R$ 4,8 bilhões no País, segundo levantamento da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica.
Já em outubro, ainda diante de um mercado ressabiado com as possíveis mudanças no setor, a Aneel dando continuidade a 1ª fase da Audiência Pública nº 01/2019, determinou a abertura da Consulta Pública nº 25/2019, cujo objeto foi o de obter subsídios e informações referentes à micro e minigeração distribuída para a elaboração da minuta da (a) Resolução Normativa ANEEL n° 482/2012; e (b) Seção 3.7 do Módulo 3 do PRODIST. Desta vez, a Aneel trouxe as seguintes sugestões de alteração:
Se os investidores em Geração Distribuída já estavam preocupados com aquela proposta inicialmente apresentada na 1ª fase da Audiência Pública nº 01/2019, a nova proposta apresentada pela ANEEL trouxe a eles a certeza de que o crescimento da geração distribuída no Brasil estava completamente em risco.
Se já existia uma forte “quebra de braço” entre as Distribuidoras e os investidores em GD na 1ª fase da Audiência Pública, após a proposta trazida pela Consulta Pública, com o perdão do trocadilho, foi que a “Guerra fria” esquentou de vez e entramos numa verdadeira guerra de informações e lobby de todas as partes, muito das vezes, sem filtro. Isso ficou muito latente no debate presencial promovido pela Aneel em novembro.
Como disse no início deste artigo, o ano de 2019 foi uma verdadeira gangorra de notícias e ânimos para os Investidores e consumidores do setor de Geração Distribuída, o ano chega ao seu final com as mesmas regras que iniciou e sem uma definição concreta de que caminhos este setor trilhará. A grande diferença do início do ano para o momento atual é a grande incerteza do que se estar por vir em termo de regulação, o que traz, portanto, uma grande insegurança para seus investidores.
A meu ver as perspectivas para o setor no ano de 2020, ainda que diante de toda atual insegurança regulatória, são boas. A Geração Distribuída pede passagem e não vejo como frear essa mudança. Esperamos que em 2020 os ânimos hoje acirrados, se arrefeçam e que a Aneel tenha a tranquilidade para desempenhar seu fundamental papel e quem sabe achar a saída mais adequada para não prejudicar um setor novo e ainda em fase de amadurecimento e fortalecimento.
Quem sabe, seguindo a linha de uma maior abertura do mercado, não evoluímos para uma solução mista, onde os “Prosumidores” possam negociar seus excedentes de energia, ao mesmo tempo que pagam pelo uso da rede e os encargos.
Tiago Lobão Cosenza é advogado especialista em Regulação e Energia, Sócio do Lobão Cosenza, Figueiredo Cavalcante Advogados