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26 de março de 2020
A invocação das cláusulas contratuais de Força Maior é mesmo a solução para o setor elétrico?

Diante destas novas diretrizes inúmeras empresas já se mobilizam e notificam os seus parceiros a respeito da impossibilidade de cumprimento dos contratos firmados, baseadas no artigo 393 do Código Civil, o qual reconhece o instituto da força maior.

Tem sido uma constante dos nossos clientes a pergunta sobre a possibilidade de se rescindir contratos com base no Instituto da Força maior, diante do cenário atual.

Com base nestas inúmeras dúvidas, resolvemos escrever este artigo, mas a ideia aqui não é trazer uma reflexão tão somente jurídica para a aplicação ou não do artigo 393 do Código Civil, pois essa abordagem muitos já trouxeram, a ideia aqui é trazer uma reflexão maior, sobre a forma de invocar tal instituto. Afinal, neste momento de crise, sempre que for possível, as decisões deverão buscar a preservação do maior número de pessoas e empresas.

Desde o início do ano estamos acompanhando a rápida transmissão, país por país, do novo Coronavírus (COVID-19), bem como suas consequências. No Brasil o primeiro caso oficial foi detectado em 26 de fevereiro de 2020 e desde então houve um crescimento geométrico do número de infectados e vítimas fatais no mundo e também por aqui.

Diante do agravamento da situação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou quadro de pandemia mundial, cujas consequências ultrapassam, e muito, o aspecto da saúde. Nesse sentido, visando prevenir o caos vivido por alguns Países do velho continente, governos estaduais e o governo federal aqui no Brasil se viram obrigados a adotar medidas extremas, dentre elas o fechamento de shopping centers e estabelecimentos congêneres, além de academias, bem como a suspensão temporária do funcionamento de determinadas atividades comerciais, fabris e estabelecimentos afins, tudo isso com a finalidade de reduzir a propagação do contágio na população e tentar evitar um colapso do sistema de saúde e consequentemente um alto nível de mortalidade pelo COVID-19.

Ocorre que essas decisões governamentais não trazem impacto tão somente na área da saúde, mas produzem consequências extremas na vida das pessoas e empresas, como em uma fileira de dominós.

E, por ser um elo importante nesta cadeia interligada, a área de energia não está imune aos efeitos do COVID-19. Com restrições de circulação de pessoas, o fechamento de shoppings, lojas e estabelecimentos comerciais, o anúncio de férias coletivas de algumas indústrias, o setor elétrico já prevê impactos, que irão desde uma possível redução da demanda por energia elétrica (o que impactará diretamente nos contratos de compra e venda de energia), passando pelo aumento de inadimplência por parte de consumidores, restrições na operação e manutenção dos sistemas e atingindo ainda o cronograma das obras dos empreendimentos em construção.

Diante destas novas diretrizes inúmeras empresas já se mobilizam e notificam os seus parceiros a respeito da impossibilidade de cumprimento dos contratos firmados, baseadas no artigo 393 do Código Civil, o qual reconhece o instituto da força maior.

Apesar de muitos autores estarem abordando fria e tecnicamente o cabimento ou não de se invocar o instituto da Força Maior para afastar os contratos já pactuados, em nosso entender a atual conjuntura deve demandar não só a proteção dos interesses individuais de pessoas e empresas afetadas, mas encontrar uma forma de assegurar a sobrevivência de todo um sistema em que todos estão inseridos. Embora seja legal o acionamento destas cláusulas, será moral? Explico!

Imaginemos o seguinte exemplo hipotético: um Shopping Center, comprou energia de uma comercializadora, que, por sua vez, comprou energia de uma Geradora. O referido shopping diante da pandemia do COVID-19 resolve invocar o instituto da força maior para rescindir o contrato de compra e venda de energia com a comercializadora, que por sua vez também invocará tal instituto para rescindir o contrato com a geradora.

Agora imaginemos isso de forma generalizada e em grandes números, uma das consequências imediatas será um aumento exponencial de demissões com uma paralisação ainda maior da atividade econômica. Se consideramos que em época de crise os empregos são os primeiros que somem e após a recuperação, os últimos que voltam, no curto e médio prazo as atividades do Shopping serão diretamente impactadas.

Então vejam, neste simples exemplo hipotético as consequências de uma decisão, embora legal, acabará por impactar o próprio tomador da decisão em uma espécie de efeito bumerangue.

Pergunta-se: Será que se o shopping ao invocar tal dispositivo o fizesse com o intuito de repactuar a sua demanda com a comercializadora e essa por sua vez fizesse o mesmo com a Geradora, não teríamos alguns empregos poupados e a saúde financeira desta cadeia inteira menos afetada?

Fica aqui nossa reflexão sobre o assunto. Em tempo de imensa crise como a que estamos imersos agora devemos pensar um pouco mais além do óbvio e somente do legal para podermos todos sobreviver e passar com o menor impacto possível por este momento.

Tiago Lobão e Caio Cavalcante são sócios fundadores da banca Lobão Cosenza, Figueiredo Cavalcante Advogados, escritório especializado em Infraestrutura e Energia.